domingo, 18 de abril de 2010

Copos vazios- introdução


Em algum momento os copos estavam vazios. Neles outrora jaziam apenas a fúria e a ironia. Seu transbordamento se deu aos poucos, numa cidade deserta sedenta por afeição. Por isso, seu caos foi revelado aos poucos, porque na mulher não havia mais nenhum sentimento que aflorasse alguma pureza e sobriedade. Sua generosidade e paciência ficaram em silêncio e seus ímpetos a comandaram. Achava que era livre e pensava que amava. Mas seu egoísmo a tornou cinza, tal como o conteúdo dos copos. Tudo ao seu redor permaneceu cinza por um longo tempo. Quando descobriu as cores em alguma primavera, não aceitava e nem permanecia resignada: sua mente apenas alimentava alguma esperança de vida plena, de fé ou de tesouro escondido nos copos. Neles não quisera tocar, porque temia o transbordamento do que era frívolo e maldoso, porém estavam estampados em suas mãos e tintas. Os copos eram frágeis e sensíveis demais e por isso ela os escondia em lugar tão seguro e intangível que ninguém poderia enxergar, tocar ou perceber. Isso era seu maior triunfo: dominar seu esconderijo. Por vezes, ela perdia-se nos labirintos que construiu para alcançá-los e nos copos transbordava a insanidade. Queria encontrar o caminho, traçar uma rota, mas não conseguia, pois a sua procrastinação, a sua teimosia em fazer algo próximo ao perfeito desfez todos os mapas mentais possíveis. Caiu no esquecimento e no próprio esquecimento. Sua identidade perdeu-se como os copos vazios. Ainda que transbordassem, era demasiado difícil conseguir alcançá-los e tomá-los novamente para si. Entretanto, alguém os encontrou.

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